Que progresso nós queremos?
Penso que em poucas oportunidades nos deparamos tão frontalmente com essa questão. De fato, se tomarmos como progresso os avanços técnico-científicos obtidos, mensurados pelo consumo per capita de energia - isto é, a concepção moderna e ocidental de progresso -, nunca a humanidade progrediu tanto quanto no século passado. Pode-se dizer que o século XX foi o palco de mais descobertas do que em toda história precedente. Seja no campo dos transportes, com os automóveis e aeronaves; seja no campo das telecomunicações, com o "advento" da comunicação em massa, através do rádio e da TV; seja no campo da medicina, com a descoberta de medicamentos e de mecanismos biológicos; enfim, em todo canto em que pode se esconder uma ciência, é possível apontar um tipo de progresso - sobretudo nas ciências ditas naturais.Contudo, de todo esse progresso, neste início de século XXI, não herdamos uma condição das mais amenas. Todas essas maravilhas da civilização também tem um ônus, que se nos revela a cada dia: as mudanças climáticas provocadas no planeta e suas consequentes catástrofes naturais; as pilhas de lixo que se acumulam nas periferias dos centros urbanos e até mesmo em regiões dos oceanos; e muitas outras atrocidades cometidas contra a natureza, que se volta contra esses maus tratos sofridos pela humanidade. E pior: além da agressão ao meio ambiente, não podem ser esquecidos os crimes cometidos contra a própria humanidade, como o holocausto, a bomba atômica, os conflitos étnicos nos Bálcãs e na África, só para citar algumas manchas de sangue na História.
Pois bem, além de desenvolver as condições objetivas para a destruição real de toda a humanidade numa hecatombe nuclear, o homem também foi capaz de deteriorar sua vida comunitária à medida em que a passou a habitar predominantemente centros urbanos; a produção foi submetida à lógica de mercado; as pessoas passaram a ver as outras não como semelhantes, mas como concorrentes - seja por trabalho, atenção, sucesso, etc. Ou seja, dependendo de como se olha o progresso, podemos arriscar dizer que na verdade, temos vivido um grande retrocesso nos últimos tempos.
O que me parece, na verdade, é que o capitalismo, a partir de um determinado ponto, tornou-se incapaz de fornecer o instrumental para um progresso com base humanista - e não mercadológica. O progresso que o capitalismo engendrou, para mim, lembra a figura de um homem elegantemente trajando seu smoking, sua cartola, mas, ao invés da calça, vestindo ceroulas e de pés no chão. Ou talvez uma casa enorme, de uma construção de madeira rústica, contrastando com alguns vitrais na parede, o piso de chão batido todo enlameado, distoando dos lustres de cristal. Ou seja, o progresso do século XX nos legou um mundo de desigualdades gritantes, inadimissíveis. Chega a parecer ridículo falar sobre o desenvolvimento de vacinas contra o câncer enquanto milhões morrem de febre amarela; sobre a criação do gado na cidade japonesa de Kobe, em que os bois tomam cerveja e escutam música clássica, ao passo que a fome assola continentes; falar dos empreendimentos imobiliários que envolvem cifras estratosféricas, enquanto o saneamento básico ainda é um privilégio para poucos. Espero que um dia a humanidade seja capaz de se dar conta desse sentido ridículo que o progresso assumiu, e seja capaz de repensar que tipo de progresso queremos.
Marcadores: capitalismo, desigualdade, humanidade, progresso
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